Se até este ponto você ainda não descobriu sozinho, eu te
conto: Sexo para mim era O problema pelo simples fato
de eu ser virgem. Não é como se eu fosse celibatária ou algo do gênero, é que
simplesmente ainda não tinha acontecido, porque até então eu realmente
desconhecia o desejo. Não que eu soubesse disso, mas no dia que eu de fato
senti desejo percebi porque tudo que antes eu denominava desejo não tinha me
levado a lugar algum, pelo simples fato de não ser o verdadeiro desejo.
Sabe aquele momento em uma festa, uma casa noturna, em que
um cara lindo, sexy e com pose de macho alfa, entra exalando sexo e aniquila
todas as garotas do lugar jogando-as aos seus pés? Pois é eu nunca vivi esse
momento. Não que eu não saísse, na verdade eu era a mais “baladeira” de todas,
o problema é que mesmo quando eu via o cara, esse, o macho alfa, eu não sentia
absolutamente nada. Não me acontecia aquela magia simples de olhar para um cara
e dizer: “nossa como eu quero beijar esse cara”, não, isso simplesmente não
acontecia comigo.
E o pior é que eu não vivia como quem quisesse passar por
essa experiência, pelo contrário, se eu pensava a fundo em toda a mecânica da
coisa eu simplesmente a achava estranha, para não dizer algo mais chocante, e
eu sabia que era isso que me mantinha virgem, eu pensava na necessidade do sexo,
mas não a sentia de fato. Mesmo antes da terapia eu sabia que isso me passava
pelo simples fato de que minhas crenças, minhas esperanças, me remetiam aos
sentimentos antes das necessidades, ou seja, o físico para mim só existiria se
existissem os sentimentos, e se eles fossem de fato reais, eu não pensava que o
beijo seria bom com o cara mais lindo, dos lábios mais bonitos, ou com o que
“conhecidamente” beijava melhor, eu pensava que o beijo seria bom mesmo com o
cara que eu amasse, porque para mim a magia começava no abstrato e não no
concreto.
Assim que como as meninas da minha idade eu sempre estava na
rua, mas não pelos motivos convencionais, se eu ia para a noitada, eu sabia
quem estaria lá, qual era a banda, a bebida e a comida que serviriam, e sempre
era por um destes motivos que eu saía. Com o tempo meus amigos se acostumaram
com a minha situação assexuada, houve um curto período em que todos acreditavam
que eu era lésbica, depois quando perceberam que minha bússola não apontava em
nenhuma direção facilmente assumiram a postura do grande amor impossível, e
sinceramente eu não me incomodava em alimentar essa ilusão, era a forma mais
fácil de não pensar em nada, de não ser obrigada a nada.
Não me lembro bem qual sábio disse que nosso corpo é nosso
templo, embora não me lembre do dono das palavras, me lembro delas, e eu me
tratava como um templo, de um só adorador, mas um templo. Minha saída preferida
era: “não sou fiel a uma pessoa, porque essa pessoa não está comigo, mas sou
fiel aos meus sentimentos.” E assim eu me mantive sozinha por muitos e muitos
anos.
Não é como se o sexo me assombrasse, claro a experiência me
assombrava, você se pergunta: - Como será? Serei boa? Ou será que vou ser um
fiasco? Será que vou saber fazer todas essas coisas que as revistas falam?
Nossa como vou conseguir fazer isso sem pensar no quanto realmente é estranho?
E como o cara será? Como vou saber se está certo? Errado? E se é bom? E se
realmente não for bom, o que eu faço? -
e eu ainda somava a tudo isso uma beleza inexistente e uma forma física
nada favorável – eu sabia que contava apenas com quem eu era, e meu medo era que
mesmo que sabendo que isso era bom, eu não tinha certeza de que era o bastante.
Mas a verdade é que eu tinha medo mesmo de como seria
depois, como poderia permitir que alguém entrasse na minha vida sem disposição
para ficar? Eu não queria o melhor amante, não queria grandes experiências
sexuais, não queria prazeres inócuos e vazios, eu queria mais, queria amor,
queria o amor dos felizes para sempre. E eu tinha certeza que com amor o resto
seria simplesmente perfeito.
Se paro pra pensar hoje eu sei que eu tinha os planos
perfeitos, eles apenas precisavam acontecer como eu sempre sonhei.
Musica do dia: O que será (À flor da pele) – Chico
Buarque
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os unguentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
E nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo
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