domingo, 26 de abril de 2015

A Realidade


Quarta-feira de cinzas, a casa era um pandemônio, arrumar as malas, arrumar as crianças, colocar tudo no carro, se preparar para partir. Eu achava mesmo a Ana, a esposa do Carlos, uma heroína, mas depois de quatro dias com eles, tive certeza disso. Não era fácil cuidar de três crianças e um cachorro, eu ficava imaginando em qual horário ela descansava, estudava, malhava ... porém mesmo com toda a loucura da vida com crianças o fim de semana foi maravilhoso, entre uma brincadeira e uma briga era impossível pensar em qualquer coisa que não fosse o momento presente, e quando eu finalmente dormia estava tão cansada, que nem sonhar eu sonhava. Dessa forma ao final do feriado, tinha esfriado a cabeça e começado a crer que tudo não passou de um devaneio juvenil tardio.

De volta a empresa era hora de voltar a vida normal. Não que eu esperasse voltar a ver o Davi, os poucos minutos que permitia que minha mente focasse nesse tema, eu mesma me convencia que não tinha com o que eu me preocupar, passou-se um ano sem que eu o conhecesse e não era como se agora ele fosse o único da empresa a nos visitar e eu fosse esbarrar com ele a todo minuto, assim voltei a acreditar que o mundo voltava ao seu eixo original.

Com o passar dos dias a rotina já estava 100% normal, com exceção de mais alguns problemas com o mesmo cliente e o mesmo tipo equipamento. Por mais que trabalhasse em prol da minimização do problema ele só parecia aumentar e em reunião com os demais gerentes o Carlos resolveu ampliar o contrato de prestação de serviços com a empresa em que o Davi trabalhava, ao invés de nos visitar uma vez por semana, eles passariam a estar em nossa fábrica três vezes na semana.

Bem isso poderia ser uma mudança de rota no curso natural das coisas, mas me convenci que não era, ele não era o único técnico da empresa, e até onde eu sabia, eles trabalhavam com o revezamento, seria muito difícil que eu esbarrasse com ele nos corredores da empresa.

Porém uma outra informação importante ao meu respeito é que eu tinha me tornado uma ótima negociadora, passei dois anos em treinamento com o Carlos, e geralmente eu conseguia diminuir em muito os preços de nossos fornecedores, sem diminuir as vantagens, desta forma o Carlos me designou para negociar aquele contrato. Sem maiores problemas fiz contato com o Pedro, gerente da empresa, e o chamei para uma reunião em que negociaríamos um novo contrato com ampliação dos serviços. Adiantei nossas intenções pra que ele já viesse com a proposta preparada.

Poucos minutos antes da reunião, senti uma inquietação incomum, eu só podia estar ficando maluca, ou com todas essas frescuras femininas que tinha aprendido a abominar, eu sabia que a inquietação era em relação ao Davi, mas por Deus fazia um mês desde que tinha visto ele pela primeira vez, eu não podia ser aquelas adolescentes malucas que só de ouvir algo que se relacione com o cara por quem estão apaixonadas piram. Tentei as técnicas de relaxamento pela respiração, chá, água no rosto, mas nada me acalmava.

Quando fui avisada da chegada do Pedro, fui até a sala da Marina nossa gerente comercial e pedi que ela me acompanhasse na reunião. Se ela estranhou não comentou nada. Quando entramos na sala de reunião, eu entendi o motivo da minha inquietação, o edro estava acompanhado por um dos seus técnicos, o Davi.

- Bom dia Manuela, Marina, fiquei muito feliz com o contato de vocês e tenho certeza que a proposta que eu trouxe garantirá uma longa parceria entre as empresas. Trouxe comigo o Davi para participar da negociação, pois caso fechemos o contrato, como sugerido pelo Carlos ele passará a ser técnico residente de vocês. Ambas já o conhecem não é mesmo?

- Bom dia Marina.

- Manuela – quando ele tocou a minha mão e a apertou entre as dele, eu tinha certeza que iria desmaiar, o choque em todo o meu corpo se repetiu, enquanto alguns órgãos deixavam de funcionar, outros passaram a funcionar de maneira enlouquecida.

Eu não pensava, e eu me odiava por não ser capaz de pensar, peguei a proposta nas mãos e passei para a Marina, ela percebeu que havia alguma coisa errada, me olhou com estranheza, mas entendeu que deveria conduzir a reunião Eu era monossilábica, e não fosse os anos de experiência e simpatia da Marina não teríamos fechado o contrato. Reunião encerrada, todos fora da sala, eu levei uns vinte minutos para voltar a respirar normalmente.

Eu me sentia um completo desastre. Eu era um completo desastre, quando a Marina voltou a sala, eu já estava melhor por fora, e péssima por dentro. Eu precisava explicar o que tinha acontecido, e não conseguia pensar em nada além da verdade, pois eu queria desabafar com alguém que pudesse ter a real dimensão dos meus problemas, e todos os meus amigos estavam a 1000 quilômetros de distância assim que quando ela perguntou se estava tudo bem, desatei  a falar.

Quando terminei vi nos olhos dela o que mais temia, pena. Ela sabia que meus sentimentos não tinham futuro. O Davi era mais jovem, tinha vinte e sete anos, era lindo e muito legal. Ele era popular e amado por todos, e era claro que devia ter namorada, caras assim tem namorada desde que nascem, e eu não passava daquilo que era, uma mulher sem grandes predicados femininos, muito acima do peso, sem nenhuma beleza natural e com a fama de ser mais dura e insensível que aço.



 
 
 
 
Musica do Dia: Smile - Charles Chaplin / G. Parsons / J. Turner

Smile, though your heart is aching
Smile, even though it's breaking
When there are clouds in the sky
You'll get by...

If you smile
With your fear and sorrow
Smile and maybe tomorrow
You'll see the sun come shining through, for you

Light up your face with gladness
Hide every trace of sadness
Although a tear may be ever so near
That's the time you must keep on trying
Smile, what's the use of crying?
You'll find that life is still worthwhile
If you'll just smile

That's the time you must keep on trying
Smile, what's the use of crying?
You'll find that life is still worthwhile
If you'll just smile.

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